O Vicariato Apostólico de Iquitos/Peru realizou entre 1 e 3
de outubro a Cumbre Amazónica del Agua, reunindo quase 400 lideranças,
representes de múltiplas comunidades eclesiais, movimentos sociais,
organizações e entidades da sociedade civil para discutir as formas como são
geridos os mananciais hídricos da região. O Fórum das Águas do Amazonas
participou do evento, apresentando o modelo de abastecimento de água e saneamento adotado na cidade de Manaus a partir da ótica da
privatização.
Na Cumbre del Agua estiveram presentes representantes da
hierarquia católica, como os Cardeais Carlos Castillo e Pedro Barreto, além de
outros bispos da região amazônica. O Cardeal Micheal Czerny, prefeito do
Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, enviou de Roma
uma mensagem de vídeo para os participantes do evento. Dom Rafael Cob Garcia,
presidente da Rede Eclesial Pan-amazônica (REPAM), também participou da
iniciativa, enaltecendo a organização e a importância do acontecimento.
Micheal Czerny enfatizou para todos que “a água não pode ser
possuída, vendida nem negociada: ela deve ser partilhada, defendida e
celebrada”. Com estas palavras, o clérigo demonstrou a sua preocupação com as
práticas e políticas contemporâneas de apropriação e mercantilização da água,
assim como alertou sobre a necessidade de se proteger os mananciais hídricos
que são cada vez mais afetados pela mineração, construção de barragens e
hidrelétricas, desastres envolvendo petróleo, diversos tipos de poluição,
desmatamento e mudanças climáticas.
Esta preocupação com a disponibilidade de água potável tem prejudicado o consumo humano e já tinha sido expressa pelo Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si (2015). No nº 30, este documento denuncia a má qualidade da água servida aos mais pobres e destaca a perigosa tendência de se privatizar este recurso, tornando-o uma mercadoria sujeita às leis do mercado. Com isso, várias cidades ampliam o sofrimento das pessoas mais pobres dificultando o acesso à água potável, ignorando um direito humano essencial, fundamental e universal.
Francisco alerta também que no atual contexto de crises
climáticas o controle da água por grandes empresas pode se transformar numa das
principais fontes de conflitos do século XXI. De fato, esta situação pode ser
percebida em vários locais, onde grandes empresas se apropriam da água, usando
tal controle como arma para submeter populações inteiras. Motivadas pela busca
do lucro e visando acumular riquezas, as grandes empresas de abastecimento de
água e esgotamento sanitário procuram cada vez mais se apropriar e controlar os
recurso hídricos dos territórios, transformando tais serviços em mercadorias.
O Relator Especial da ONU para os Direitos Humanos à Água e
Saneamento, o professor espanhol Pedro Arojo-Agudo também esteve na Cumbre da
Água, manifestando o seu apoio à iniciativa do Vicariato del Agua
(Iquitos/Peru) e celebrando o envolvimento eclesial e dos diversos movimentos
sociais na luta pela água no território amazônico. Pedro assumiu esta
responsabilidade frente a Organização das Nações Unidas (ONU) em 2020, depois
do mandato do brasileiro Léo Heller, que é professor, pesquisador e membro
do Observatório Nacional dos Direitos à
Água e ao Saneamento (ONDAS).
O professor Pedro acentuou que a situação da Amazônia lembra a realidade de outras regiões do mundo cuja população que sofre com a falta de água potável geralmente está situada próxima a grandes reservatórios hídricos. Este sofrimento, portanto, não é causado pela falta de água doce, mas é resultado da ação de interesses econômicos, que controlam territórios e promovem a poluição hídrica e a degradação ambiental, reduzindo a disponibilidade de água para os mais pobres.
O Relator também identificou dois grandes desafios para a
humanidade afetada pela crise hídrica. Primeiro, promover uma governança
democrática da água que deve ser vista como um bem comum e não como uma
mercadoria para ser negociada; Segundo, é necessário fazer as pazes com os
rios, com os ecossistemas aquáticos, com a natureza. Assim, ele resgatou e
reforçou as culturas indígenas locais segundo as quais não somos superiores à
natureza, mas somos partes dela. Dessa forma, Pedro Arojo destaca a incoerência
do paradigma de dominação da natureza, que promove a devastação, a doença e a
morte.
Arojo também lembrou que a convivência respeitosa com o meio
ambiente é uma grande geradora de saúde, uma vez que a vida saudável só pode
ser alcançada dentro de uma relação adequada e harmoniosa com o entorno. Isso
possibilitou o pesquisador questionar a lógica mercantil contemporânea,
afirmando que os serviços oferecidos pela água e pela natureza não podem ser
trocados por dinheiro, como a saúde da familia, a dignidade e a vida. Diante
disso, o critério mais adequado para configurar a governança da água não deve
ser o retorno econômico, mas um princípio ético que orienta para uma relação de
respeito e cuidado.
Iquitos e Manaus possuem características comuns, como a proximidade do Rio Amazonas, a estreita relação com a economia da borracha (no final do século XIX) e a precariedade ou ausência dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Embora Manaus seja significativamente mais populosa e mais rica do que Iquitos, não oferece um bom exemplo na gestão dos recursos hídricos. Como Iquitos, Manaus é largamente afetada pela poluição dos rios e igarapés. Os interesses econômicos comandam a vida na cidade, anulando as vozes e os clamores da população. A política é sequestrada pelo corporativismo empresarial, impedindo uma governança ética, justa e sustentável.
Além disso, na capital amazonense o sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário é democraticamente deficitário e pauta-se pelo retorno econômico, excluindo milhares de famílias do usufruto de direitos essenciais. Este cenário não favorece a formação de uma cidade justa, saudável e sustentável, uma vez que a presença normalizada de esgoto a céu aberto impossibilita a existência de um ambiente adequado para uma vida saudável. A cidade é marcada por uma população vulnerável e rios (natureza) tratados como inimigos.
As denúncias expostas na Cumbre Amazónica del Agua refletem
a realidade de Manaus, conectando-a tragicamente com grande parte das cidades
amazônicas. O evento, no entanto, é um sinal de esperança, pois a presença de
tantas lideranças empenhadas e organizadas sugere a emergência de um movimento
pan-amazônico em defesa dos direitos humanos à água e em prol do cuidado da
casa comum.
Amazonas Atual - https://amazonasatual.com.br/somos-agua-somos-vida-somos-esperanca/
IHU Unisinos - https://www.ihu.unisinos.br/658444-somos-agua-somos-vida-somos-esperanca
Arquidiocese de Manaus - https://arquidiocesedemanaus.org.br/2025/10/10/somos-agua




Parabéns por esta iniciativa tão importante, em que pessoas de diversos lugares dedicaram tempo para o estudo e a reflexão de estratégias para cuidar de nossa Casa Comum e assim, favorecer uma vida mais digna às pessoas com o acesso a um dos maiores bens da Criação: a água
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