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Fórum das Águas realiza oficina na Colônia Santo Antônio, bairro Manoa

A primeira oficina de 2025 do Fórum das Águas aconteceu na sexta-feira, dia 21 de fevereiro, quando fomos recebidos na Igreja Católica Santo Antônio, que dá nome àquele território do Bairro Manoa – Zona Norte de Manaus – chamado Colônia Santo Antônio. Para chegar ao local atravessamos a avenida Max Teixeira para chegar ao fundo de um vale, onde se localiza a comunidade religiosa. Por trás da igreja e das casas daquela rua corre um pequeno igarapé que faz parte da bacia hidrográfica do Mindu.

As marcas nas paredes e os assoalhos elevados das casas mostram que a área sofre com inundações – o que foi confirmado depois pelos moradores. No entanto, para além de discutir problemas de drenagem urbana, que também dizem respeito ao saneamento, nosso objetivo naquele dia foi debater o acesso da comunidade à água potável, ou melhor: o direito ao acesso universal à água e saneamento para a manutenção da vida e da saúde das famílias no local.

O material utilizado durante as oficinas – a animação curta-metragem “Avó Grilo” e uma apresentação de slides – trata sobre a situação do direito à água no mundo, no Brasil e em Manaus, apontando uma grande contradição: por um lado, a água é um bem essencial à vida e à dignidade humana como a água; por outro, em muitos lugares – incluindo a nossa cidade – este bem é privatizado, ou seja, uma empresa privada possui a outorga exclusiva do seu uso.

Após o fim da apresentação da equipe do Fórum, surgiram perguntas, dúvidas e relatos de experiência dos moradores locais com a água privatizada. Um dos que mais chamou atenção foi o de uma moradora que denominaremos de Silvia, que contou:

Às vezes a água vinha muito pouca e o que vinha não era água, era lama. Eu tirava foto. E eu estava comprando água direto, tanto pra tomar banho, quanto pra beber. Às vezes a gente compra porque simplesmente a água não dá pra gente tomar, se a gente tomar, vai adoecer. Então eu tirei foto, fiz filmagem e não vieram [a empresa concessionária de água e esgoto].

A moradora explica que mesmo após repetidas tentativas de contato com a empresa para resolver o problema da má qualidade da água na área, não houve retorno. Então, tentou resolver a questão por conta própria, deduzindo que o problema poderia ser uma tubulação entupida:

O dia em que eu paguei uns meninos lá na rua para escavarem e desentupirem por conta própria, eu recebi uma multa de 430 reais. Vieram em pleno domingo. Na semana não vieram, mas vieram no domingo. Aí eu falei pra eles: “vocês vão me multar?” E eles: “não, ninguém vai te multar nem nada”. Pelo menos resolveu pra mim, porque eu preciso de água. Quando foi no dia 17, veio essa multa. Eu liguei pra lá reclamando, fui tentar resolver e tá aí a questão. Ou seja, você reclama, você tem as provas, mas eles não resolvem.

A passagem mostra como muitas vezes a má qualidade da água e dos serviços prestados levam moradores a tentarem resolver os problemas por conta própria, já que, como foi dito durante nossa apresentação, “não existe a opção de viver sem água”. No caso relatado, a necessidade de intervir sobre as infraestruturas precárias do abastecimento de água acarretou uma multa à moradora. Não entramos aqui no mérito técnico e legal do procedimento, mas é certo que a multa não resolve o problema da água de má qualidade, nem para a empresa e muito menos para a família. Entretanto, a multa se soma à falta de água, ao risco de adoecimento e aos gastos com a compra de água para o consumo doméstico, aumentando a vulnerabilidade da família.

 O caso também ilustra o que se tem observado como tendência nas outras oficinas e visitas a campo, isto é, as mulheres são as principais responsáveis por manter o funcionamento das infraestruturas da água precarizadas. Silvia, ao garantir por conta própria que a água circule na sua comunidade e em sua residência, age contra um tipo de violência – uma violência infraestrutural* – que prejudica a gestão do tempo, do trabalho e dos cuidados com a casa, com crianças e idosos. Estas são tarefas que, em grande parte, acabam ficando sob responsabilidade das mulheres**. Logo, a distribuição desigual das redes de abastecimento de água e de sua manutenção trazem maiores prejuízos às pessoas mais pobres e, entre esse grupo, especialmente às mulheres.

 

* Entendemos que “violência infraestrutural” corresponde às formas pelas quais infraestruturas precárias – como o abastecimento de água de má qualidade ou inexistente – atingem determinados indivíduos e comunidades que se encontram em uma situação de vulnerabilidade, aumentando as desigualdades já existentes (Rodgers e O’neil, 2012).

** É o que mostra o trabalho de Camila Pierobon (2021) sobre as infraestruturas da água em comunidades e ocupações urbanas, assim como o recente relatório sobre os impactos da falta de água e saneamento na vida de mulheres em cidades de 4 estados entre o Norte e o Nordeste do Brasil (Habitat para a Humanidade Brasil, 2024).

Referências

HABITAT PARA A HUMANIDADE BRASIL. Com sede de esperança [livro eletrônico]: como a violação do direito à água e ao saneamento impacta a vida das mulheres brasileiras / Habitat para a Humanidade Brasil. – Recife, PE: A Habitat, 2024. Disponível em: https://habitatbrasil.org.br/wp-content/uploads/2024/09/Estudo_graficos_ver_final_2.pdf , acesso em 25 fev. 2025.

PIEROBON, Camila. Fazer a água circular: tempo e rotina na batalha pela habitação. Mana, 27(2): 1-31, 2021.

RODGERS, Dennis; O’NEIL, Bruce. Infrastructural violence: Introduction to the special issue. Ethnography 13(4): 401–412, 2012.



Por Pedro Paulo Soares


 

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