Na semana passada, um jornal
conhecido de Manaus destacou: “prefeitos usam até cantores gospel para atrair
eleitorado no Amazonas”. A plataforma informou ainda que os gestores
contrataram 22 artistas com cachês entre R$ 80 mil e R$ 650 mil para eventos
que ocorrerão no período pré-eleitoral. Essa associação entre fé e política
convida a uma reflexão.
O primeiro significado atribuído
à fé pelo dicionário Michaelis afirma que é a “convicção da existência de algum
fato ou da veracidade de alguma asserção; credulidade; crença”. Trata-se também
do “conjunto de ideias e crenças de uma determinada religião ou doutrina”. A
tradição profética da bíblia descortina na vivência da fé a dimensão ética, que
leva o crente a se empenhar na prática da justiça e no cuidado das pessoas mais
pobres e vulneráveis de uma sociedade, pessoas que sofrem pela exploração e
injustiças infligidas pelos poderosos.
Os profetas bíblicos rejeitam e
denunciam a superficialidade de uma fé que se limita a uma experiência
intimista e individualista, prendendo-se ao devocionismo e ao ritualismo
religioso. Para os profetas veterotestamentários, a fé coerente e autêntica
abre o crente à dimensão da alteridade e necessariamente se manifesta na
prática da justiça e do direito. São conhecidas as denúncias do profeta Amós,
que condenava a todos que se tornavam ricos e poderosos à custa dos outros. Os que
tinham casas esplendidas, móveis caros e mesas ricamente guarnecidas,
defraudando, pervertendo a justiça e esmagando os pobres.
A fé cristã herda esta dimensão
profética e a aprofunda ainda mais exigindo da fé a prática do amor solidário e
fraterno. A vida de Jesus Cristo foi perpassada pela atitude de amor, indicando
que a fé nos impulsiona ao encontro do outro para dele cuidar, rejeitando e
denunciando todas as injustiças (individuais e estruturais) que massacram e
torturam o ser humano. Este amor abole a omissão e a indiferença aos
sofrimentos humanos, levando o cristão a resgatar dos lugares e situações mais
difíceis a ovelha perdida, aquele ser mais frágil e marginalizado.
O amor cristão faz de toda a
humanidade uma só família e por isso a injustiça não é bem-vinda, pois todos
são irmãos e irmãs. A capacidade de amar potencializa o crente para a criação
de uma sociedade justa e fraterna, exigindo que a fé se expanda de dentro para
fora, superando o individualismo, o sectarismo e o corporativismo. As
separações e divisões causadas pelo status social, pelo racismo ou xenofobia
não fazem sentido dentro da perspectiva cristã ou são tomadas como faltas
graves, uma vez que todas as pessoas pertencem à mesma família dos filhos e
filhas de Deus.
Nesta concepção, a fé manifestada
no amor ao próximo e ao distante, exige a participação política visando
embelezar a convivência humana e gerar estruturas sociais éticas e justas. A
política, portanto, é uma forma elevada de praticar o amor e viver a fé, uma
vez que ela permite que a ação transformadora alcance regiões remotas e torna visíveis
os sinais do Reino de Deus no reino dos homens. Com a política, as dádivas da
fé podem ser ampliadas e beneficiam também a natureza, promovendo a proteção e
o cuidado da nossa casa comum.
Expressão da fé e do amor, a política
pode viabilizar cenários favoráveis ao respeito mútuo entre a natureza e o ser
humano, promovendo direitos humanos e a proteção da natureza. Esta conexão
positiva pode proteger o homem e a natureza das ameaças do individualismo desordenado
e da ganancia ilimitada, gerando políticas públicas justas e uma legislação
ambiental imune às investidas de um mercado perverso e destruidor.
Por outro lado, a politicagem
pode manipular a fé de muitas pessoas causando a ampliação das injustiças e a deterioração
mais intensa da natureza. A politicagem remete ao ódio, à mentira e a
destruição do meio ambiente. É preciso garantir que a fé seja aliada da
política e não da politicagem.
Amazonas Atual - https://amazonasatual.com.br/a-fe-e-a-politica/
IHU Unisinos - https://www.ihu.unisinos.br/641605-a-fe-e-a-politica
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