Mais de
29 milhões de famílias, número que corresponde a mais de um terço da população brasileira, têm
direito à tarifa social de água e esgoto. É o que estabelece a Lei nº 14.898,
sancionada pelo presidente Lula no último dia 13 de
junho, e que institui diretrizes para a Tarifa Social de Água e Esgoto em
âmbito nacional.
O
projeto original foi apresentado ao Senado em 2013. A versão final teve como
base o relatório do Deputado Federal Pedro Campos (PSB-PE), que quando retornou
ao Senado foi aprovado por unanimidade.
A
garantia do acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento
sanitário independente da capacidade de pagamento e dos locais e condições de
moradia, é crucial para a realização dos direitos humanos. O valor das tarifas
não pode comprometer a realização de outros direitos humanos, tais como à
alimentação, habitação, saúde ou educação.
A Lei nº 14.898 estabelece
que a tarifa social de água e esgoto não poderá ser maior que 50% da tarifa residencial comum. Têm direito à tarifa social de
água e esgoto os usuários com renda per capita de até 1/2 (meio) salário-mínimo
que pertencem a família de baixa renda inscrita no Cadastro Único para
Programas Sociais (CadÚnico); ou que receba Benefício de Prestação Continuada
(BPC) e garante que para cálculo da renda per capita do grupo familiar não
serão incluídos os valores recebidos do BPC, do Programa Bolsa Família e de
qualquer outro benefício que venha a substituí-los.
A
classificação das unidades usuárias na categoria tarifária social deverá ser
feita automaticamente pelo prestador do serviço, com base em informações
obtidas no CadÚnico e nos bancos de dados já utilizados pelos prestadores.
Portanto, a unidade usuária que satisfizer aos critérios de elegibilidade da
Tarifa Social de Água e Esgoto deverá ser incluída na categoria tarifária
social pelo prestador do serviço, sem necessidade de prévia comunicação ao
usuário.
É
positivo que os documentos que comprovam o direito à tarifa social – quando a
inclusão não for automática – não se relacionam com a posse do imóvel, bastando
apenas o comprovante de cadastramento no CadÚnico, cartão de beneficiário do
BPC ou extrato de pagamento de benefício ou declaração fornecida pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) ou outro regime de previdência social público
ou privado.
Igualmente
importante é o fato de esta lei explicitar que o seu conteúdo estabelece o
mínimo como direito, sem implicar na revogação ou invalidação de regras,
critérios ou descontos tarifários que são mais vantajosos para os usuários de
baixa renda.
Apesar
dos avanços trazidos pela lei alguns pontos negativos precisam ser observados.
Um deles é o fato de a tarifa social estar garantida somente para os primeiros
15m³ (15 mil litros de água por mês), ou seja, a partir do primeiro m³
excedente aos 15m³ a usuário dos serviços passa a pagar a tarifa comum. De
fato, já há serviços em que a tarifa social é aplicada para todas as faixas de
consumo.
A lei
não estabelece a proibição da interrupção no fornecimento de água, em caso de
inadimplência, para as famílias de baixa renda em situação de vulnerabilidade
socioeconômica. A garantia de acesso à água às famílias economicamente
vulneráveis em situação de inadimplência é objeto de lei em vários países, como
Áustria, França, Hungria, Irlanda e Reino Unido onde é vedado o corte da água
de consumidor residencial (e de escolas e hospitais) em caso de inadimplência.
Veja o exemplo da França:
“A lei
proíbe uma distribuidora de desligar a água da residência principal de seu
cliente, mesmo que este não pague mais suas contas. Esta regra consta do 3.º
parágrafo do artigo L. 115-3 do Código da Ação Social e das Famílias. Nenhum
contrato de fornecimento de água pode derrogar isso. Esta proibição de cortes
de água é aplicável durante todo o ano e não apenas durante as férias
de inverno. Em caso de corte de água por sua distribuidora, os clientes
podem, portanto, fazer valer as regras legais acima. Esta proibição aplica-se
tanto a um corte de água como a uma redução de água. Qualquer corte voluntário
de água é ilegal, quer ocorra sem ou com aviso prévio do serviço de água.”
E no Reino Unido
o Water
Industry Act, de 1999, estabelece que é “proibido cortar o fornecimento de água a usuários domésticos por falta de
pagamento.”
Arcar
com os custos para a ligação de água e esgoto, pode ser inviável para muitas
famílias, por isso a gratuidade da ligação de água ou de esgoto para as
famílias com direito à tarifa social deveria ter sido incorporada nessa lei
(aliás, estava prevista em uma das versões do projeto de lei e foi suprimida).
A
legislação poderia, mas não o fez, ter assegurado o direito à tarifa social em
casos excepcionais, para comunidades em situação de vulnerabilidade
independentemente de estarem cadastradas no CadÚnico. Mas não há impedimento a
que isso seja feito pelas entidades reguladoras.
De qualquer forma,
se a Lei nº 14.898 for
aplicada plenamente, pode assegurar o direito à água e
ao esgotamento sanitário a muitas famílias, sendo fator decisivo na
universalização do acesso a estes serviços fundamentais.
Mas o
processo não termina com a sanção presidencial. Para garantir efetividade, há
necessidade de regulamentação que reparta competências e garanta informação,
avaliação e controle social na aplicação da lei.
Os
ministérios que se envolverão na regulamentação, como Cidades, Desenvolvimento
e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Casa Civil, entre outros,
precisam garantir a participação efetiva das entidades da sociedade civil neste
processo.
É
fundamental o envolvimento do Conselho Nacional de Assistência Social, do
Conselho Nacional dos Direitos Humanos, do Conselho Nacional das Cidades e dos
movimentos populares, tanto na construção conjunta da regulamentação como no
processo de apropriação do conteúdo da lei como forma de garantir sua
aplicação.
Por Edson Aparecido da Silva e Marcos Heleno Montenegro.
OUTRAS PALAVRAS - https://outraspalavras.net/alemdamercadoria/enfim-a-tarifa-social-de-agua-e-esgoto/
ONDAS - https://ondasbrasil.org/sancionada-a-lei-da-tarifa-social-de-agua-e-esgoto/
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