Costumamos visualizar a água como elemento essencial para a vida
humana e não humana, sabendo que sem ela não sobrevivemos. Imprescindível para
a existência, a água é um elemento comum universal, constituindo conexão e
ponto de aglutinação entre os seres viventes. A falta de água é algo indesejável
por todos, por isso jamais se nega um copo de água para alguém que esteja com
sede. Tal atitude é considerada crueldade, pois significa sabotar o fenômeno da
vida, agindo brutalmente para a sua eliminação.
Esta essencialidade explica o reconhecimento da água como
direito humano por parte da Organização das Nações Unidas (ONU), que se esforça
para garantir o abastecimento hídrico para todos os homens e mulheres do
planeta. Esta característica da água justifica as orientações constitucionais
que obrigam os Estados promoverem o acesso à água potável, trabalharem para a redução
da escassez hídrica e impedir situações e constrangimentos que colocam as
pessoas sob o risco do desabastecimento.
Mas esta peculiaridade da água também provoca disputas pela
sua posse, gerando conflitos de diferentes grandezas. Não é por acaso que a
palavra “rival” remente às pessoas que compartilham o uso de um rio. Rivais são
aqueles separados por um rio. Dominar as águas implica submeter as pessoas que
dependem dela, impondo o seu poder sobre elas. Diante de um bem tão importante,
a nossa sociedade capitalista logo descobriria uma forma de transforma-lo em
mercadoria para beneficiar os que dele se apropriarem.
Conhecida como “ouro azul”, a água chama a atenção de
grandes empresas que a tornam um meio de extorsão, gerando enriquecimento e
poder para alguns e submissão em grandes proporções. De posse do mapa da mina,
as empresas de saneamento inventam a cada dia formas mais sofisticadas de
ampliar os seus lucros se utilizando desse bem vital. É um negócio com retorno
garantido, pois se trata de um bem essencial e nada pode substitui-lo diante da
sua inexorável necessidade. E o Estado ainda trabalha para assegurar o sucesso
do negócio.
Em Manaus, esta busca pela ampliação infinita do lucro tem
sido uma obsessão praticada ao longo dos últimos 24 anos pela concessão privada
dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Não basta lucrar
800 milhões de reais por ano. É necessário acrescentar ao máximo, pois a
ganancia é uma medida que nunca enche. Aqui não se conhece ética, solidariedade
e sustentabilidade ambiental. Avançam brutalmente sobre os mais pobres para
tirar deles o que já não têm e agridem o meio ambiente, despejando grosseiramente
toneladas de esgotos nos igarapés e rios da cidade.
Hoje, nos deparamos com a tentativa da concessionária Águas
de Manaus implantar cobranças sobre o uso dos poços artesianos nos condomínios
residenciais. Fazendo aquilo que ela mais sabe, a empresa busca se apropriar
gratuitamente de sistemas comunitários criados por associações de moradores, dando
vasão a uma obsessão desmedida pelo dinheiro. Busca eliminar toda cultura do
compartilhamento criada ao longo de décadas e às custas de muito trabalho.
Percebendo a ganância acentuada da concessionária e a
insatisfação dos moradores diante da infeliz iniciativa, o Poder Concedente
(Prefeitura de Manaus) e a Câmara dos Vereadores tentam se afastar da “rivalidade” em ano eleitoral. Fingem esquecer que
eles mesmos aprovaram a iniciativa em época não muito remota (CPI da Águas de
Manaus de 2023). Simulam desconhecer que ao adotarem a privatização do
saneamento, estavam abrindo possibilidades para tais medidas e outras ainda
piores. No fundo eles sabem que as empresas não entram em um negócio se não
tiverem perspectivas de lucros maximizados, muitas vezes ignorando questões
éticas ou sociais.
Seguindo o individualismo e o egoísmo como paradigmas, a
empresa atua incansavelmente para destruir hábitos e estilos de vida que
fomentam práticas de uso comum dos bens naturais e sociais. Alucinada pelo
dinheiro, a empresa atua contra qualquer iniciativa que fortaleça o senso
coletivo e possa tirar dela o domínio das águas, o controle do ouro azul. Busca
eliminar qualquer tentativa de tratar os bens essenciais como bens comuns. Para
ela é mais promissor que todos os bens comuns sejam transformados em bens
privados. Assim, ela empreende estrategicamente para manter a submissão do seu
rival, uma população extorquida e espoliada.
Ao insistir em cobrar pelo uso dos poços artesianos em condomínios e conjuntos habitacionais, a empresa privada de água e esgoto anseia por elevar ao máximo o seu desempenho financeiro explorando a população, mas aguça as resistências cada vez mais fortes aos processos de privatização do saneamento na Amazônia e no Brasil.
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