Na primeira entrega dos “kits de água” houve depoimentos de
moradores mostrando que as políticas públicas não chegam àquela região. As
populações sofrem pela falta de água e de saneamento, mas também pela ausência
de outros serviços básicos, como saúde, educação, moradia de qualidade e
transporte. Emocionados, alguns beneficiados agradecem pela iniciativa, expondo
sentimentos de quem vive na invisibilidade imposta por uma política urbana que
beneficia os grandes e poderosos e desampara os pobres e pequenos da terra.
A seca que ainda abate muitos lugares da Amazônia traz à
tona a histórica falta de políticas públicas nas áreas afetadas, mostrando as
dimensões da omissão e a falta de compromisso das classes políticas, das
estruturas de poder e das entidades empresariais que comandam a região. Proporcionando
alívio àqueles moradores, a campanha solidária transmite uma mensagem de
esperança e ao mesmo tempo denuncia a crueldade de uma política que produz
desigualdades, favorecendo os setores já ricos e castigando as populações
vulneráveis.
Os sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário
são administrados pela empresa Águas de Manaus mediante uma concessão que já
perdura por 24 anos, mas obtém baixo desempenho técnico e muitas reclamações. A
concessão enfrenta inúmeros processos judiciários em função da precariedade do
saneamento ou da sua ausência em várias partes da municipalidade. Além disso, o empreendimento já foi
investigado em três ocasiões pela Câmara Municipal de Manaus (CPI 2005, CPI
2012 e CPI 2023), chegando-se a constatar a baixa qualidade dos serviços
oferecidos ao povo manauara.
A empresa integra o poderoso grupo Aegea Saneamento, que cresce
intensamente por adquirir concessões de água e esgoto em todo o território nacional.
Voltado para a satisfação financeira de investidores internacionais, o grupo
empresarial tem aumentado significativamente os seus lucros a custa de
empréstimos concedidos por bancos públicos e pela aplicação de tarifas
exorbitantes. Em Manaus, a empresa elevou o seu lucro líquido em mais de 93%
nos últimos dois anos, uma façanha lograda na metrópole mais desigual do país.
A cidade possui 41,8% da sua população (1.098.957 milhão de pessoas) em
situação de pobreza e 11,1% em situação de extrema pobreza (290.549 mil
pessoas).
Tal cenário social não intimida nem sensibiliza a empresa. O
lucro de 1,5 bilhão nos últimos dois anos tem sido galgado a partir de ações eticamente
inaceitáveis: cobranças indevidas, reajustes tarifários exorbitantes,
incorporação de obras públicas, descumprimento da tarifa social e a poluição
dos igarapés e rios pela falta de esgotamento sanitário. A prioridade da
empresa não aparece nestas questões éticas e sociais, mas mostra-se eficiente na
geração de lucros. Este é o resultado mais visível da privatização do
saneamento na capital manauense!
A falta de água potável que produz conflitos fatais – sem
ela se morre e por ela se mata – indica que estamos muito abaixo dos padrões
civilizatórios aceitáveis. A sociedade que nega a água de beber aos seus
cidadãos perde o senso de humanidade, principalmente quando se trata de uma
sociedade que se orgulha da sua riqueza e dos seus avanços tecnológicos. Sobretudo
quando se refere a um território que possui aquíferos gigantescos e abundante
biodiversidade. Não há justificativa para tamanho desprezo pelo ser humano!
Essa situação não passa despercebida numa época em que
celebramos a Declaração Universal dos Direitos Humanos como uma das principais
conquistas da humanidade. Não compreendemos ainda que essa Declaração sugere
uma profunda mudança de mentalidade e de atitude. Trata-se de colocar a vida
humana (e ambiental) em primeiro lugar. Isso dificilmente será compreendido se
insistirmos em transformar tudo em mercadoria, supervalorizando a propriedade
privada à custa do desmantelamento dos bens comuns.
A campanha “Amazônia tem sede” talvez possa ainda sugerir
uma reflexão nesta passagem de ano. Que em 2024 possamos expandir o significado
que atribuímos à vida, reforçando a nossa atuação em favor do que é público para
beneficiar aqueles que normalmente são esquecidos na sociedade individualista do
capital. Não convém aceitar que as Políticas Públicas sejam transformadas em
“Políticas Privatizadas”. Este já seria um passo de dimensões colossais!
Amazonas Atual - https://amazonasatual.com.br/campanha-expoe-a-politica
IHU Unisinos - https://www.ihu.unisinos.br/635620-campanha-expoe-a-politica
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