Vivemos uma das mais severas estiagens dos últimos 100 anos.
Os rios desaparecem diante dos nossos olhos, deixando a marca do sofrimento. Os
ribeirinhos perdem o meio que lhe fornece a identidade e as condições de
sobrevivência. Os indígenas se entristecem pelo desaparecimento das águas que
colorem os seus estilos de vida e configuram os seus mitos e ritos. O ecossistema
é penalizado pela redução da umidade. Toda a sociedade sente a ausência da
água, que sustenta a sua produtividade e o seu dinamismo.
As populações urbanas que já sofrem com a precariedade dos
serviços básicos, sentem o peso do racionamento hídrico imposto pela companhia
de água e esgoto. Cidades como Manaus, que nasce das águas, se dá conta de que
a água não é ilimitada e por isso deve ser gerida responsavelmente. Essa seca
mostra que a imensidão das águas não passa de uma ilusão. É necessário saber
usá-las, direcionando-as para os serviços essenciais e tais serviços não devem
obedecer aos parâmetros da lucratividade absurda, mas aos princípios que regem
a teia da vida, que se manifesta de variadas maneiras.
Embora passando por grave crise hídrica nos dias de hoje, a
Amazônia convive habitualmente com a falta de água potável. Independentemente
da seca que enfrentamos, as populações têm grandes dificuldades de acessar a
esse serviço a cada dia e em todas as estações. A falta de políticas públicas
que favoreçam esse direito fundamental é um problema histórico na região.
Apesar das queixas, as classes políticas amazônicas se mantêm inertes e
indiferentes. A culpa não é da seca, mas da falta de uma gestão hídrica eficiente
e sustentável! Falta compromisso dos poderes públicos no cuidado das pessoas e
da natureza.
Em um processo marcado por ilegalidades e turbulências,implantou-se em Manaus um sistema de água e esgoto privatizado. As previsões
estavam certas: serviços precários nas periferias, pobres excluídos do sistema,
tarifas caras, esgotamento sanitário ausente na maioria da cidade, poluição dos
corpos hídricos, espoliação hídrica, etc. Com a privatização optou-se por
beneficiar o mercado da água em detrimento do atendimento digno aos manauenses.
Mais uma vez optou-se por privilegiar o setor financeiro, negligenciando a
preservação e o cuidado dos recursos naturais.
A estiagem na Amazônia gera comoção em todo o país.
Campanhas de solidariedade invadem as redes sociais e os meios de comunicação; políticos
oportunistas defendem a honra do povo; empresas aproveitam para exibir a sua
responsabilidade social; organizações publicitárias focam na morte dos botos e
outros animais. Porém ninguém toca no ponto de solução, que é a falta de planejamento
de longo alcance para evitar tais tragédias. Isso implica eliminação do
desmatamento; a tolerância zero com os crimes ambientais, como incêndios e
poluição hídrica; a demarcação de todas as terras indígenas; o controle e
redução significativa das atividades mineradoras e do agronegócio, etc.
A seca que vivemos está servindo ao menos para trazer à tona
a falta de gestão hídrica na região que tem mais água doce no planeta. Tal
gestão, no entanto, vai muito além dos cuidados das águas. É necessário colocar
em prática uma nova relação com a natureza, percebendo-a como ser vivo que
precisa ser protegido e apreciado. É necessário perceber que as coisas estão
muito conectadas e que a destruição da natureza também é um atentado contra os
homens, pois natureza e humanidade fazem parte do mesmo processo evolutivo e
participam da mesma teia da vida.
Sandoval Alves Rocha
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