Na última terça-feira, 31 de outubro,
a cidade de Manaus (AM) foi palco do 1º Seminário do Fórum das Águas, reunindo
diversas vozes comprometidas em defender o direito humano fundamental à água e
à preservação dos recursos hídricos na região. A iniciativa promoveu a
sensibilização da sociedade, a visibilização dos desafios e a memória das lutas
que envolvem o tema.
O evento contou com as palestras de
Marco Helano Fernandes Montenegro, coordenador de comunicação do Observatório
Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas); Jadson Maciel, presidente
do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Tarumã-Açu; José Roselito Carmelo da
Silva, mestre em Meio Ambiente do Instituto Federal do Amazonas (Ifam); Rogério
Ribeiro Marinho, doutor em Geografia da Universidade Federal do Amazonas
(Ufam); e do Pe. Sandoval Rocha, SJ, coordenador do Fórum das
Águas. Para o jesuíta, o Seminário marca um grito coletivo em torno
do direito à água e ao saneamento, em um contexto em que se encontram
privatizados: “Estamos nos organizando para que essa iniciativa ganhe certa
permanência no nosso meio, dando a oportunidade de a gente fazer uma análise em
relação a esse direito fundamental, que é mal implementado no Brasil
inteiro”.
Segundo dados do Instituto Trata
Brasil, um a cada cinco brasileiros não tem acesso à água potável, e falta rede
de esgoto para quase metade da população do país. Entre todas as regiões, o
Norte tem a menor taxa de acesso à água tratada. Só no estado do Amazonas, 85%
da população não tem coleta de esgoto, e, atualmente, moradores de Manaus cavam
poços na tentativa de encontrar água para beber na seca que assola a
região.
Mercy Soares, educadora social do Serviço
Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares),
enfatizou a importância de abordar não apenas a preservação das águas, mas
também a necessidade de um ordenamento jurídico, social e econômico que promova
uma economia sustentável, capaz de coexistir harmoniosamente com os rios e a
floresta. “O Fórum das Águas se apresenta como um espaço onde todas as partes
interessadas podem contribuir para essa construção social”, ressaltou.
Palestras
ressaltam a luta da água
Durante a palestra “Água e saneamento
– gerenciamento de distribuição, captação e esgotamento”, o Pe. Sandoval
comentou que a situação do saneamento básico em Manaus é um grave desafio que
afeta diretamente a qualidade de vida e o meio ambiente na cidade. A falta de
água potável nas periferias, a poluição dos igarapés devido ao descarte
inadequado de resíduos, a ausência de esgotamento sanitário e os serviços de
limpeza pública precários contribuem para um cenário de crise socioambiental.
Além disso, a má gestão, mesmo em serviços privatizados, é evidente, com a
população pagando caro por serviços de baixa qualidade, enquanto as empresas
lucram.
O jesuíta argumentou, ainda, que a
privatização do saneamento em Manaus resultou na criação de categorias sociais distintas,
onde o acesso a serviços básicos se tornou um marcador de cidadania. “Temos a
consciência histórica que é uma privatização que está causando muitos
problemas, deixando as periferias sem água e toda a cidade sem esgotamento
sanitário”, disse.
Rogério Ribeiro Marinho, doutor em
Geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), debateu sobre a atual
seca histórica na região amazônica, enfatizando a gravidade da crescente
frequência de eventos climáticos extremos na região. Ele observou que a alternância
entre fortes cheias e secas, com um intervalo de apenas dois anos, é um sinal
alarmante. Marinho destacou a importância de um monitoramento contínuo dos
níveis dos rios e ressaltou a necessidade de o poder público agir de forma mais
proativa e adaptativa diante desses eventos, antecipando-se aos desafios
climáticos: “As informações que estamos vendo com a seca que enfrentamos nesse
ano de 2023 enfatizam a urgência de ações efetivas diante das mudanças
climáticas na região amazônica”.
Jadson Maciel, presidente do Comitê
da maior bacia hidrográfica da área urbana de Manaus, a Tarumã-Açu, trouxe à
tona os desafios enfrentados na região, apontando o saneamento básico como o
mais crucial no momento. Segundo ele, o Comitê identifica, todos os dias, pontos
de degradação ambiental relacionados à esgotos pluviais. Além disso, ele
destacou a ocupação desordenada de flutuantes (casas que flutuam sobre os rios)
e a falta de fiscalização como causas de conflitos na área da bacia
hidrográfica. Essa situação levou ao protagonismo da discussão sobre a gestão
desse corpo hídrico e à aprovação de um plano de bacia por parte dos
governantes. “Identificamos o potencial de turismo da Tarumã-Açu, com
flutuantes que atuam como bares, restaurantes e de locação, mas tudo precisa
ser feito de forma organizada, com gestão de resíduos, com a destinação correta
dos dejetos”, salientou.
Exposição
fotográfica e sensibilização socioambiental
Durante o evento, foi montado um
espaço social para a exposição fotográfica dos ambientalistas Valter Calheiros
e Naziano Filizola. As fotografias de Valter mostraram tanto a beleza dos
rios e igarapés da Amazônia quanto as preocupações relacionadas à degradação
desses ambientes. “A exposição é um chamado de atenção para o cuidado com a
natureza, para que a sociedade possa mudar de ideia e que os governantes possam
criar orçamentos públicos possíveis para trabalhar na educação, no turismo e
nas comunidades tradicionais”, afirmou.
Naziano Filizola, pesquisador em Hidrologia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), introduziu o projeto “Rios On-line” na exposição. A iniciativa estabelece uma ponte entre as comunidades ribeirinhas e a Universidade, permitindo a troca de ideias e soluções conjuntas para os desafios que enfrentam os povos dos rios em áreas remotas. “Essa abordagem colaborativa visa criar o que chamamos de ciência ribeirinha para melhorar a qualidade de vida dessas comunidades e potencialmente beneficiar outras regiões”, ressaltou, apontando que investimentos em ciência e políticas públicas para monitoramento dos rios da região amazônica poderiam diminuir prejuízos como os da atual seca histórica.
Além das discussões técnicas, o Seminário também incorporou manifestações artísticas. A mística de abertura trouxe o som da água na percussão, apresentada pelo músico e educador popular Eliberto Barroncas. A atriz Socorro Papoula foi responsável pela reflexão sobre a relação do ser humano com as questões hídricas, proporcionando um momento de conexão espiritual. Já a ativista Francy Junior levou uma mensagem sobre as mudanças climáticas e a importância de cuidar e proteger a água, de uma maneira criativa e impactante, com a peça teatral “Oxigênio”.
Sobre
o Fórum das Águas
O Fórum das Águas, criado em 2012,
continua a desempenhar um papel fundamental como um espaço democrático para o
debate de ideias e experiências relacionadas à água. Além disso, estabelece
parcerias com a sociedade civil, educadores ambientais e entidades na busca por
influenciar políticas públicas relacionadas ao tema em Manaus.
O apoio de diversas organizações,
como o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), o
Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida
(Olma), o SOS Encontro das Águas, o Movimento de Mulheres do Amazonas e tantas
outras instituições destaca a importância e a relevância desse evento para a
Amazônia.
Jesuitas Brasil - https://jesuitasbrasil.org.br/1o-seminario-do-forum-das-aguas-e-realizado-em-manaus/
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