A Amazônia passa por uma das mais severas secas das últimas
décadas, afetando territórios, populações e o ecossistema da região. Há aldeias,
comunidades e cidades isoladas no meio da Amazônia em razão do desaparecimento
dos rios, que eram as únicas vias através das quais fluía o trânsito de
pessoas, produtos e até a comunicação com as outras localidades. O colapso no
abastecimento de água e alimentação em geral tornou a vida mais difícil nessas
áreas.
Os ribeirinhos, cujas existências são fortemente
influenciadas pela presença das águas e se dedicam às atividades pesqueiras,
sofrem forte impacto da estiagem, sendo obrigados a alterar significativamente
o seu estilo de vida. Os povos indígenas que retiram do poder das águas as
inspirações e percepções que alimentam as suas culturas e visões de mundo, se
entristecem, clamando aos céus o retorno das águas. O ecossistema sofre forte
desidratação, impactando as dinâmicas de funcionamento da vida.
Estamos diante de uma tragédia anunciada. Muitos estudos já
alertaram sobre os impactos das mudanças climáticas causadas pela ação humana.
Pesquisas anunciaram o perigo da destruição dos ecossistemas e as consequências
de crimes ambientais como queimadas, desmatamentos, poluição hídrica e atmosférica,
mineração predatória e uso indiscriminado de agrotóxicos. Por mais dolorosos
que sejam, esses sofrimentos têm sido previstos e largamente anunciados em
publicações especializadas e meios de comunicações em geral.
Também anunciada, a tragédia da pandemia da COVID-19 assolou
o mundo causando mais de 177 milhões de casos e 2,8 milhões de mortes. Somente
no Brasil, quase 39 milhões de casos foram detectados e mais de 700 mil mortes
registradas. A gestão ineficiente da saúde, associada ao negacionismo instalado
nas estruturas do Estado, agravaram a tragédia e colaboraram para que nossas
famílias fossem vitimadas. Impactados por tanto sofrimento, chegamos a afirmar
que no futuro seríamos mais cuidadosos com os semelhantes e com a natureza.
Estávamos enganados! A natureza continua sendo devastada e a
nossa convivência cada vez mais agressiva. A seca que vivemos na Amazônia não
pode ser atribuída ao acaso nem aos movimentos insondáveis da natureza.
Trata-se de uma dinâmica percebida e prevista há décadas, sendo confirmada a
cada ano pela progressiva elevação das temperaturas, a intensificação de
tragédias socioambientais e a ocorrência de estiagens cada vez mais
prolongadas. A natureza clamava constantemente, mas nossa atenção estava mais focada
no crescimento econômico em detrimento do cuidado das pessoas e do planeta.
Pautados por uma mentalidade reducionista e economicista
ignoramos os apelos da natureza e nos fechamos aos clamores da vida que exigem
olhares mais holísticos e abrangentes. A vida humana não acontece de forma
isolada, mas a partir de inter-relações e interdependências com o meio que a
envolve. A vida se realiza a partir de uma teia sustentada por dinâmicas e energias
que se expressam de variadas formas. Tragédias como a seca na Amazônia e a
Pandemia do Coronavirus são resultados de uma gestão estreita e setorizada da
sociedade e dos recursos ambientais, incapaz de projetar uma visão do todo.
A seca na Amazônia nos apresenta mais uma oportunidade de
aprender que somos gerados no mesmo dinamismo que mantém a vida humana, animal
e ecossistêmica. Quando aprendermos essa lição, seremos menos egoístas, valorizaremos
o milagre da vida, criaremos menos divisões, setorizações e privatizações,
trabalharemos mais pelo bem comum.
Sandoval Alves Rocha
Amazonas Atual - https://amazonasatual.com.br/amazonia-vive
IHU Unisinos - https://www.ihu.unisinos.br/633711-amazonia-vive
ONDAS Saneamento - https://ondasbrasil.org/amazonia-vive-tragedia-anunciada/
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