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Sem fiscalização, Águas de Manaus realiza serviços medíocres

Os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário realizados pela empresa Águas de Manaus não têm sido efetivamente monitorados. Trata-se de uma violação do contrato de concessão, que prevê uma fiscalização rigorosa dos serviços concedidos à iniciativa privada. Esta é uma das conclusões formuladas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que tão somente confirma as observações e críticas da população e organizações que lutam pelo direito à água em Manaus.

A privatização desses serviços, que ocorreu há 23 anos, prometeu resolver os problemas da água e esgoto em Manaus e gerou grandes expectativas na população local. O contrato de concessão, firmado pelo poder municipal em julho de 2000, prevê que hoje teríamos um índice de 98% da população com o abastecimento de água, obedecendo aos critérios de qualidade, fornecimento regular (24 horas por dia) e tarifas acessíveis para toda a população. Eis o cenário que justificou a privatização e a tornou aceitável para a cidade.

No entanto, é de conhecimento geral que isso não acontece, uma vez que há dezenas de comunidades sem esse serviço e outras com o abastecimento intermitente. A qualidade da água também é bastante questionada, as tarifas são inacessíveis para grande parte da população e muitas vezes abusivas, o que tem se tornado motivo de muitas reclamações, processos judiciais e investigações de todo tipo. Essa dificuldade enfrentada por boa parte do povo manauara constitui uma violação dos direitos humanos à água e ao saneamento.

O contrato da privatização também garantiu que hoje teríamos os serviços de esgotamento sanitário chegando a 90% da população manauense, o que contribuiria enormemente para a redução de doenças vinculadas ao problema do esgoto à céu aberto: diarreias, amebíase, cólera, leptospirose, disenterias, hepatite A, esquistossomose e febre tifoide. Esse cenário também colaboraria com uma expressiva redução da degradação ambiental e diminuiria a poluição dos igarapés e rios da região.

No entanto, essa meta é sistematicamente descumprida. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), Manaus tem uma cobertura de esgotamento sanitário que chega somente a 25% da população, deixando a maioria dos manauenses sem esse serviço essencial, sujeitos à graves doenças e amargando uma escandalosa degradação do ecossistema amazônico. Esse cenário contribui inegavelmente com o avanço da crise socioambiental, há muito tempo analisada por pesquisadores e denunciada por diferentes organizações da sociedade civil.

Sem uma fiscalização eficiente, as concessionárias que assumem a gestão desses serviços se sentem legitimadas e estimuladas a continuar desrespeitando o contrato de concessão e a população, assim como acarretando danos ao meio ambiente. A omissão da agência reguladora novamente foi evidenciada em reunião da CPI da Águas de Manaus, que foi instaurada com o objetivo de investigar as irregularidades da concessão.

Reportagem do site Amazonas Atual, “CPI exigirá que Ageman fiscalize e aplique multa a Águas de Manaus” (18/05/2023), publiciza a omissão da agência fiscalizadora, que é comandada pelo poder municipal. Essa irregularidade perdura desde a época da privatização e indica que o poder público opera uma relação de conivência com os serviços malfeitos da empresa, sendo também responsável pelas consequências desastrosas que se abatem sobre Manaus. Essa violação explica em alguma medida a precariedade dos serviços de água e esgoto que coloca a cidade entre as piores capitais do Brasil.

A má qualidade dos serviços é um fato, ainda que a empresa tenha aumentado substancialmente os seus lucros, ultrapassando os R$ 730 milhões de reais por ano. Para chegar a esse desempenho econômico, a empresa cobra as tarifas mais caras da Amazônia. Ademais, esses lucros também são favorecidos por volumosos empréstimos facilitados por bancos estatais. O Estado também contribui com os investimentos nos serviços da empresa, lançando mão dos recursos públicos disponíveis. Dessa forma, a empresa não usa os seus próprios recursos, mas busca fontes nas diversas esferas do poder público.

Dessa forma, não há justificativa plausível para a continuidade da concessão em curso, uma vez que o Estado tem sido o principal investidor no sistema de água e esgoto da cidade. E ainda assim, os serviços são visivelmente precários, indicando que a gestão empresarial do saneamento não prioriza as necessidades da população. Ademais, a falta de autonomia da agência reguladora mostra a inconsistência da política adotada, fortalecendo a ideia de que essa gestão deveria ser realizada por atores mais interessados em servir às comunidades.

Se a agência reguladora tem se mostrado incapaz de fiscalizar um contrato empresarial, falhando na cobrança, na advertência e se omitindo de multar a empresa, tal ineficiência seria muito mais evidenciada se a política de saneamento fosse pautada pelo paradigma dos direitos humanos. Sob essa ótica, as violações da empresa seriam mais ressaltadas, uma vez que ela teria que humanizar a sua atuação considerando grupos específicos, como indígenas, populações de rua e idosos pobres, além de se adequar às configurações de gênero e raça.

Sob o paradigma dos direitos humanos nenhum individuo pode ficar de fora, mas essa é uma exigência inadmissível para o mercado da água, visto que essas populações não respondem aos anseios econômicos empresariais. Para o mercado da água o lucro é absoluto, enquanto as pessoas vêm em segundo plano. Quando elas são consideradas geralmente são instrumentalizadas como meios de arrecadação. São populações invisíveis aos olhos da empresa e da agência reguladora. Por isso, a gestão do saneamento deve ser pública e democrática, capaz de valorizar a pessoa e as condições que a envolve.

Sandoval Alves Rocha





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