ESPOLIAÇÃO HÍDRICA
A professora Carla Cristina Alves Torquato Cavalcanti defendeu tese de doutorado na Faculdade Autônoma de São Paulo (FADISP), mostrando a precariedade do sistema de abastecimento de água em Manaus e a exploração da população manauara imposta pelo mercado da água, que é representado pela concessionária Águas de Manuas (Aegea Saneamento e Participações). A professora expôs a sua pesquisa para a Banca de Defesa de Doutorado no dia 25 de agosto, tendo como título, "A espoliação hídrica na cidade de Manuas: entre a ilusão do excesso e a realidade da privação".
A docente enviou um texto para o Blog do Fórum das Águas destacando os principais aspectos da sua investigação acadêmica. Abaixo, leia o texto da professora que resume a sua tese.
O precário acesso à água potável, especialmente para os vulneráveis urbanos, está intimamente ligada aos processos que caracterizam o mundo moderno: cidades superlotadas que sofrem com a falta de urbanização; formas complicadas de tributação que excluem os pobres e beneficiam os ricos e os sistemas políticos e de governança que fizeram do direito humano à água uma quase utopia.
As desigualdades estão presentes nos ritmos e nas rotinas da vida cotidiana de todos, sem exceção. Seja o morador do condomínio chique ao da ocupação irregular, a água é um bem de primeiríssima necessidade. A sensação de infinitude, de dádiva da natureza não mais se sustenta, porque ela é cara, cada vez mais preciosa e ao mesmo tempo, tentando não ser pessimista, ela tem um prazo de duração, pois cada vez mais a água vai deixando de ser própria para o consumo humano, seja por estar poluída ou porque ela simplesmente está cada vez mais escassa.
Explorar a incerteza cotidiana com que a água é acessada pelas populações pobres nos mostra como as infraestruturas não são neutras, ao contrário, estão entranhadas em hierarquias de poderes que, ao mesmo tempo, obliteram e atualizam as desigualdades urbanas. Esse é o cerne da espoliação hídrica, entendida como o não reconhecimento das necessidades das camadas populares a um direito à cidade e a cidadania, sendo o acesso à água potável elemento primordial.
Grupos de moradores, bairros, conjuntos habitacionais, coletivos urbanos ou rurais e os povos da florestas lutam para manter condições dignas de trabalho, de higiene, salubridade, modos de vida e ambientes naturais em face da falta de saneamento urbano, de água tratada e disponível 24 hora por dia, do agronegócio, das grandes barragens, da silvicultura comercial e da repressão policial.
A negação da cultura da segregação socioespacial deve ser uma prioridade se quisermos superar padrões repetitivos de discriminação social, sejam eles de classe ou geográficos. Tal atitude não deve partir somente dos movimentos sociais, também devem ser apoiados pelo Estado enquanto governo, seja a União, os Estados ou Municípios, através de parcerias públicas ou público-privadas, com vistas a uma política de gestão hídrica fundamentada na sociabilidade e solidariedade que de fato representem interesses coletivos.
O Fórum das Águas de Manaus recomenda a leitura do trabalho da doutora Carla Cristina e agradeçe pela sua colaboração na luta pelos Direitos à Água e ao Saneamento na Amazônia.
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